Cuidado com o empréstimo consignado em folha

É preciso tomar muito cuidado com o empréstimo consignado em folha, modalidade de crédito cujas parcelas são deduzidas diretamente da folha de pagamento das pessoas físicas. Trata-se de empréstimo bastante simples de ser contratado, sem muitas formalidades. Não é necessário consulta a instituições de proteção a crédito, como Serasa e SPC e, em muitos casos, é possível tomá-lo sem sequer comparecer a uma agência institucional, bastando efetuar a contratação por meio de caixa eletrônico. Além disso, os juros são mais baixos do que os cobrados em outras modalidades de empréstimo.
 

Se é tudo tão fácil e os juros são menores, qual o problema?

As facilidades do empréstimo consignado são enganadoras…

O problema dessa modalidade de crédito está em três questões. A primeira delas diz respeito justamente a sua principal característica: a facilidade de tomar o empréstimo consignado. Como é muito fácil de ser contratado, esta acaba sendo a porta de entrada para um mundo de dívidas impagáveis. Normalmente, isso acontece porque o devedor está passando por alguma dificuldade financeira ordinária e vê no crédito consignado a maneira de honrar a dívida. Enfim, sobra mês no fim do salário e, para resolver essa equação, recorre-se à saída mais fácil.

A segunda questão diz respeito aos baixos juros. Paradoxalmente, como os juros são relativamente baixos quando comparados com outras modalidades de empréstimo, as pessoas acabam metendo os pés pelas mãos. Acham que a dívida vai onerar pouco seu orçamento e, por isso, acabam não se preparando adequadamente para pagar as parcelas. Ou seja, mesmo com a assunção da dívida do empréstimo consignado, mantém incólume os seus gastos ordinários, continuando a gastar o que gastavam antes – mas agora, com uma dívida a ser paga. A conta não fecha e, para honrar os compromissos, recorre-se a novo empréstimo.

A bola de neve vai crescendo, vai crescendo, vai crescendo até que… chega o limite legal de 30% que o empréstimo consignado em folha pode ocupar no orçamento de qualquer pessoa. Aí fica a pergunta: o sujeito não conseguia honrar suas dívidas com 100% do salário, como é que vai conseguir honrá-las com apenas 70%?

Mas as coisas podem ficar muito piores. Como há muitas instituições que simplesmente não respeitam o limite legal de 30% do salário que pode ser comprometido com essas dívidas, os devedores acabam comprometendo um percentual ainda maior de seu orçamento. A boa notícia é que, se alguém está comprometendo mais do que o limite legal nessa modalidade de empréstimo, pode recorrer à Justiça para limitar as parcelas ao percentual permitido. Mas a má notícia é que essa saída só vai gerar resultado definitivo depois de alguns anos, quando a causa finalmente for resolvida pelo Poder Judiciário.

Estou encrencado com o empréstimo consignado em folha. O que posso fazer para sair dessa situação?

Alguém que já esteja com a corda no pescoço por estar no limite do crédito consignado em folha precisa urgentemente reorganizar seu orçamento doméstico. Não tem jeito: com 30% a menos de recursos a cada mês, é preciso diminuir as despesas do dia a dia para que elas caibam nos 70% que restaram, ao menos até o pagamento de toda a dívida. Esqueça viagem de férias, carro novo, tênis de marca, videogame ou o que quer que seja seu sonho de consumo. ESQUEÇA. Sua prioridade é a de acabar com a dívida.

Além disso, é preciso tentar renegociar as taxas de juros com a instituição que efetuou o empréstimo. Mas acredite:  elas são muito mais duras na queda do que os bancos. Afinal, elas não precisam negociar com o devedor porque as parcelas do empréstimo são debitadas automaticamente na sua folha de pagamento. No fim das contas, quem paga o empréstimo é o patrão do devedor, e não ele; logo, queira ou não a dívida será paga. Por que ela iria querer negociar? Mas… sei lá, né, vai que tem alguém gente boa que se compadece da situação do sujeito.

O que me deixa mais possesso nessa situação não é nem o papel das instituições que oferecem esse tipo de empréstimo. No fundo, é apenas uma boa ferramenta de crédito, com juros menores e boas facilidades, mas que é muito mal utilizada. O que me deixa com raiva mesmo é o papel que muitas vezes as instituições públicas assumem nesse processo. Lembro que há alguns anos havia uma propaganda do Ministério do Turismo para estimular o turismo de idosos por meio do financiamento da viagem com… empréstimo consignado em folha. Em vários dos órgãos públicos, há praticamente um incentivo institucional ao endividamento – em alguns casos, é frequente ver notas públicas espalhadas no órgão falando sobre as vantagens do empréstimo (mas ninguém avisa sobre os riscos).

Obviamente, cada pessoa é livre para saber o que faz com sua situação financeira. Mas a maior parte das pessoas não tem a menor noção de educação financeira, e acha que é vantagem receber R$ 1.000 hoje mesmo que tenha de pagar muito mais do que isso em suaves prestações. É triste que o próprio governo assuma o papel de estimular esse tipo de comportamento, sem antes ensinar como organizar a vida financeira.

 

Fonte: Publicado por Fabio Portela.