Quem nunca utilizou os serviços de um planejador financeiro pode se 
perguntar como funciona uma consulta desse tipo. Um concurso promovido 
recentemente pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais 
Financeiros (IBCPF), que certifica planejadores financeiros no Brasil, 
premiou o grupo que melhor conseguisse fazer um plano financeiro para 
uma família
 de estrutura financeira complexa. Um dos vencedores, o planejador 
financeiro certificado (CFP) Jailon Giacomelli, relatou em detalhes o 
seu plano para EXAME.com.
 A família Antunes é formada pelo engenheiro Paulo, de 55 anos, a 
psicoterapeuta autônoma Sandra, de 53 anos, e os filhos Rafael, de 27, 
Cristina, de 26, e Vitor, de 15. Rafael já é casado e independente 
financeiramente. Cristina é professora de História e pretende fazer um 
doutorado nos Estados Unidos, para o qual vai precisar de ajuda dos 
pais. E Vitor tem deficiência cognitiva, estuda em uma escola especial e
 é a principal preocupação dos pais.
 Veja o passo a passo do planejamento financeiro desta família e conheça como funciona esse tipo de plano:
 Primeiro passo: gestão financeira
 Fazer uma planilha de despesas e receitas
O primeiro passo é elaborar uma planilha com tudo que a família ganha e
 gasta – ou gastará. Os planejadores optaram pela planilha anual, que 
permite visualizar melhor os gastos sazonais. A receita da família é de 
615.000 reais por ano, ou 51.250 reais por mês, sendo que 420.000 reais 
são gerados por Paulo e 195.000 reais são gerados por Sandra.
 As despesas totalizam 330.000 reais por ano, mais 82.000 reais anuais referentes ao pagamento das parcelas do imóvel
 da família. Já a poupança incluía 48.000 reais por ano para a 
previdência privada de Paulo, mais 152.000 reais livres para 
investimentos. “Como o planejamento é todo ligado, percebemos que apenas
 com a gestão financeira a família já conseguiria chegar bem à 
aposentadoria. Mas o cálculo era muito justo. Avaliamos que eles tinham 
de poupar um pouco mais para chegar lá com alguma folga”, diz Jailon 
Giacomelli.
 Além disso, era necessário considerar que a filha Cristina rumaria para
 um doutorado nos Estados Unidos e precisaria que os pais contribuíssem 
com 1.500 dólares por mês. Haveria ainda um aumento nas despesas da 
família quando a mãe de Sandra fosse morar com o casal. Contudo, haveria
 uma folga com a possibilidade de vender o imóvel dela e incluir o valor
 no patrimônio da família. “Recomendamos à família a revisão do 
orçamento e o corte de despesas entre 10% e 20%”, diz Giacomelli.
 Livrar-se das dívidas
 Se a família possui patrimônio suficiente para amortizar ou mesmo quitar uma dívida
 antecipadamente sem se descapitalizar por completo, essa alternativa 
deve ser considerada, nem que seja necessário vender um bem 
subutilizado. Isso porque os investimentos dificilmente renderão mais do
 que os juros pagos em financiamentos.
 Sandra e Paulo tinham um saldo devedor (já descontados os juros) de 
178.000 reais referentes à compra de um imóvel, com prestações 
corrigidas por IGP-M mais 1% ao mês. “Dificilmente eles encontrariam um 
investimento no mercado que pagasse algo assim”, diz Giacomelli, para 
justificar que não faz sentido continuar pagando em parcelas, quando o 
casal já tinha a quantia para amortizar a dívida de uma só vez.
 Segundo passo: gestão de ativos
 Fazer um balanço do patrimônio da família
 Para traçar o plano de investimentos para os diferentes objetivos da 
família, a primeira medida foi fazer o balanço do patrimônio, nos moldes
 de um balanço patrimonial de uma empresa. Do lado dos ativos – bens e 
direitos, como aplicações financeiras, imóveis, veículos etc. – estavam 
1.970.000 reais em aplicações financeiras, três carros e o imóvel onde 
mora a mãe de Sandra, totalizando 3.340.000 reais. Do lado do passivo – 
obrigações, como as dívidas –, apenas o financiamento de 178.000 reais. 
No total, um patrimônio líquido (ativo menos passivo) de 3.162.000 
reais.
 “A partir daí, traçamos o plano de aposentadoria. Recomendamos a venda 
do imóvel da mãe de Sandra, já que ela iria morar com o casal, e uma 
adequação das despesas da família”, diz o Jailon Giacomelli.
 Investir de acordo com os objetivos
 Em seguida, foi a vez do balanceamento da carteira de investimentos da 
família, levando-se em conta os objetivos e a tolerância a risco. Os 
principais objetivos da família são a aposentadoria e a garantia do 
futuro de Vitor, o filho com deficiência cognitiva, quando os pais se 
forem. Os objetivos de prazo menor são o pagamento da mesada para a 
filha que vai fazer o doutorado no exterior e um curso de aprimoramento 
profissional para Sandra.
 Quanto à tolerância a risco, a família Antunes já teve más experiências
 com o investimento em ações e não gostou das oscilações do mercado. Em 
seu plano financeiro, Jailon Giacomelli e Fernanda Lattari tiveram de 
introduzir a relação entre risco e retorno para a família: para tomar 
mais risco, é preciso que o retorno do investimento seja maior que o dos
 investimentos menos arriscados. “As pessoas ficaram mal acostumadas a 
ganhar dinheiro fácil na renda fixa, mas com os juros mais baixos, terão
 de tomar um pouco mais de risco”, diz Giacomelli.
 Eles decidiram, portanto, introduzir o risco aos poucos na vida da 
família. A reserva de emergência e o dinheiro para os projetos de curto e
 médio prazo deveriam ficar investidos em aplicações conservadoras e de 
alta liquidez: fundo DI e até 30% em um fundo de renda fixa com crédito 
privado, um pouco mais arriscado. Ao menos 110.000 reais – o equivalente
 às despesas de um período de três a quatro meses – deveriam ficar 
aplicados em um fundo para emergências.
 Terceiro passo: planejamento da aposentadoria
 Definir a idade de aposentadoria e a expectativa de vida
 Para esta simulação, é necessário determinar a idade de aposentadoria e
 a expectativa de vida. No caso de Paulo e Sandra, foi necessário ainda 
simular a previdência de Vitor, pois o casal deveria ser capaz de 
continuar sustentando o filho em vida e deixar recursos suficientes para
 ele se manter após a morte dos pais. 
Foi definido, então, que Paulo se 
aposentadoria com 65 anos, Sandra com 70 e que todos os três morreriam 
com 100 anos de idade.
 As despesas dos três hoje totalizam quase 30.000 reais por mês. Ou 
seja, as aplicações financeiras mais a aposentadoria pelo INSS deverão 
gerar essa quantia mensal. A partir do patrimônio de hoje e da 
capacidade de poupança do casal, os planejadores fizeram duas 
simulações, uma mais conservadora e outra arrojada.
 Inicialmente, a carteira do casal foi balanceada tendo em vista o 
perfil mais conservador, dada a aversão do casal a risco. A 
rentabilidade estimada foi de 2,5% ao ano, líquidos de inflação e IR. Os
 recursos foram alocados da seguinte forma: 70% em renda fixa prefixada 
(como NTN-F e LTN, títulos públicos negociados via Tesouro Direto), 6% 
em renda fixa indexada a índices de preços (como fundos de inflação e 
NTN-B, títulos públicos que rendem um percentual mais IPCA), 11% em 
fundos imobiliários (que têm cotas negociadas em Bolsa), 9% em ações que
 pagam bons dividendos (ou ainda em fundos de dividendos) e 4% em fundos
 multimercados tipo long & short, que lucram com diferenças nos 
preços das ações.
 Giacomelli explica que a ideia era introduzir aos poucos a família no 
mundo das aplicações financeiras, diminuindo gradativamente a renda fixa
 prefixada e aumentando o percentual em outros investimentos. “Para 
alinhar a carteira da família ao objetivo de aposentadoria, será 
necessário buscar um juro real entre 3% e 4% ao ano. Ou seja, tomar mais
 risco”, diz o planejador.
 Os planejadores perceberam que, com a rentabilidade real de 2,5% ao 
ano, a conta ficaria muito justa. A rentabilidade de 4% ao ano daria ao 
casal certa folga. Para chegar a esse percentual, foi preciso calcular o
 montante necessário para manter o casal e Vitor até o fim da vida. 
Apenas Vitor precisaria, até os 100 anos, de um patrimônio de 2.900.000 
reais.
 Já o casal deve conseguir se sustentar durante 37 anos, sem redução do 
padrão de vida: dos 65 anos de Paulo até os 100 anos de Sandra, 
considerando-se que durante os cinco primeiros anos Sandra ainda geraria
 renda e que durante os dois últimos anos o patrimônio deveria ser 
suficiente apenas para o sustento de Sandra e Vitor. O montante total 
necessário, incluindo-se aí os recursos destinados a Vitor, totalizam 
6.300.000 reais, em valores de hoje. Lembrando que todas as simulações 
foram feitas com rendimentos acima da inflação.
 Planejar o que deixar para os filhos mais necessitados
 Após a morte de ambos os pais, Vitor ainda teria 62 anos. Isto é, 
considerando a expectativa de vida de 100 anos, teria de se sustentar 
por mais 38 anos. Para proteger Vitor na falta dos pais, os planejadores
 recomendaram a compra de um plano de previdência tipo VGBL (Vida 
Gerador de Benefício Livre) que gere renda para o garoto na falta dos 
pais e que não possa ser resgatado de uma só vez. Ou seja, a única forma
 de usar o dinheiro é sob a forma de renda mensal. Os planejadores 
sugeriram ainda que a filha Cristina fosse nomeada tutora natural do 
irmão mais novo, para acompanhar seu desenvolvimento.
 Como Cristina não lida bem com dinheiro, o VGBL deveria já gerar a 
renda suficiente para o sustento de Vitor: 10.000 reais por mês. Foi 
descartada a ideia de se interditar Vitor judicialmente. “Em casos de 
interdição, o processo de auditoria do tutor pode ser bem desgastante 
para ele. Sugerimos então que os pais conversassem com Cristina”, diz 
Giacomelli.
 Quarto passo: gestão de riscos
 A parte de gestão de riscos trata basicamente dos seguros. Os 
planejadores aconselharam a família a fazer um seguro residencial, uma 
vez que a casa era seu principal patrimônio, e um seguro para os carros,
 caso não houvesse. O primeiro sai normalmente em conta em relação ao 
valor do imóvel, e pode ser a tábua de salvação no caso de um grande 
desastre com a casa. Já o seguro dos carros pode ser considerado 
indispensável, uma vez que os veículos são muito expostos a roubos, 
furtos e acidentes.
 Foram revistos também os seguros de vida tanto de Sandra quanto de 
Paulo, considerando-se quanto a família precisaria até a idade em que os
 dois se aposentassem caso um deles viesse a faltar. O cálculo 
considerou quanto cada um seria capaz de gerar durante a vida ativa, a 
idade da aposentadoria, a pensão por morte a ser recebida pelo INSS, e 
as despesas que deixariam de ser feitas se um dos dois morresse.
 No caso de Paulo, por exemplo, constatou-se que a cobertura de 450.000 
reais do seguro oferecido por sua empresa era suficiente para cobrir 
apenas dois anos de despesa da família, sendo que até sua aposentadoria,
 aos 65 anos, faltam dez anos. A apólice complementar deveria valer, 
portanto, 2 milhões de reais, considerando-se que Paulo gera 420.000 
reais de renda por ano, que seriam cobertos em parte pela economia de 
despesas (120.000 reais por ano) e pela pensão por morte (36.000 reais 
por ano) se ele viesse a falecer.
 Os planejadores financeiros também recomendaram para Sandra um seguro 
de invalidez temporária. Como ela é autônoma, o seguro pagaria uma renda
 caso Sandra precisasse se afastar do trabalho temporariamente por 
motivo de doença ou qualquer outro problema de saúde.
 Quinto passo: planejamento tributário
 Sandra manifestou o desejo de abrir uma empresa, e informou que não 
declara 100% de sua receita. Os planejadores explicaram então que se ela
 montasse uma empresa, tributasse 100% da receita e ficasse totalmente 
legalizada, ela pagaria menos IR do que paga hoje em dia. “Ela teria uma
 redução de 1.200 reais por mês. E ainda abriria a empresa com uma 
sócia, com quem dividiria a contabilidade e todos os custos, o que seria
 ainda mais compensador. Além de deixar de ter o risco tributário ao 
declarar 100% de sua receita”, esclarece Jailon Giacomelli.
 Sexto passo: planejamento sucessório
 Além de garantir o sustento de Vitor, a outra preocupação de Paulo e 
Sandra em relação à transmissão de seus bens para os filhos era com o 
casamento de Rafael, o filho mais velho. Como o casal e a nora não se 
dão bem, os planejadores recomendaram que Paulo e Sandra fizessem um 
testamento para que a parte disponível de seus bens fosse inteiramente 
destinada a Vitor, deixando aos outros dois filhos apenas a porção 
obrigatória da herança. Assim não haveria a menor possibilidade de a 
nora de Rafael se beneficiar de bens que poderiam pertencer a Vitor.
Fonte: Exame.com
 
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